domingo, 11 de outubro de 2009

João, o apóstolo

Ele é um homem velho, aquele sentado no banco, encostado na parede. Seus olhos estão fechados e o rosto, tranquilo. Não fosse por sua mão alisando a barba, poderíamos pensar que está dormindo.

Alguns na sala de fato acham que ele está meio adormecido. Ele sempre faz isso durante os cultos. Enquanto o povo canta, seus olhos se fecham e o queixo cai até repousar em seu peito. Ali, fica imóvel. Silencioso.

Aqueles que o conhecem não se enganam. Sabem que ele não está dormitando. Por cima da música, ele viaja, voltando, voltando até que seja moço outra vez. Forte outra vez. Até que esteja ali outra vez. Ali, na praia, com Tiago e os apóstolos. Ali, no caminho, com os discípulos e as mulheres. Ali, no templo, com Caifás e os acusadores.

Já faz sessenta anos e João ainda parece o mesmo. As décadas levaram suas forças, mas não carregaram suas lembranças. Os anos obscureceram-lhe os olhos, porém não a sua visão. As estações podem ter enrugado o seu rosto, mas não diminuíram o seu amor.

Ele havia estado com Deus. Deus estivera com ele. Como poderia esquecer?

Daquele vinho que antes fora água, João ainda conseguia sentir o sabor.

Da lama colocada sobre os olhos do homem cego, ele ainda se lembrava.

O aroma do unguento de Maria, o qual enchia a sala, ele ainda podia sentir.

E a voz? Oh, a voz de Jesus, João ainda podia ouvi-la.

Eu sou a luz do mundo...Eu sou a porta...Eu sou o caminho, e a verdade e a vida.


Eu virei outra vez, prometo, e os levarei para estar comigo... virei outra vez e vos levarei para mim mesmo.


Na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna.

João podia ouvi-lo; podia vê-lo. As cenas estavam marcadas em seu coração. As palavras, marcadas na sua alma. João nunca iria se esquecer. Como poderia? Ele havia estado lá.

Ele abre os olhos e pisca. A música parou. O ensino começou. João olha para os ouvintes e ouve o professor.

“Se pelo menos você pudesse ter estado ali”, ele pensa.

Mas não estava. Muitos não estavam. Muitos não eram sequer nascidos naquela época. E, muitos dos que lá tinham estado, agora eram mortos. Pedro, Tiago, Natanael, Marta, Felipe. Todos mortos. Até mesmo Paulo, o apóstolo que veio depois, estava morto.

Somente João restou.

Ele olha mais uma vez para a igreja. Poucos, mas ansiosos. Eles se inclinam para a frente a fim de ouvir o professor. João ouve. Que tarefa! Falar de alguém que nunca viu. Explicar palavras que nunca ouviu. João está ali, caso o professor dele precise.

No entanto, o que acontecerá quando João tiver partido? O que fará o professor quando a voz de João estiver silenciosa e sua língua, imóvel? Quem lhes contará como Jesus acalmou as ondas? Eles saberão como Ele alimentou milhares de pessoas? Se lembrarão de como orou pela unidade?

Como saberão? Se pelo menos pudessem ter estado lá...

De repente, em seu coração, João sabe o que fazer. Mais tarde, sob a luz de uma tocha, o velho pescador desenrola o pergaminho e começa a escrever a história da sua vida.

No princípio, era o Verbo...

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